Hoje fui limpar a geladeira e descobri uma alface
americana em um canto insuspeito. Estava um pouco amarelada, a maioria das
folhas já não serviam mais e isso apenas uma semana depois de ter sido
comprada. Fiquei imediatamente furioso com isso.
Mesmo com todas as técnicas que garantem que as
verduras fiquem frescas por mais tempo, e algumas prometem conservar os seus
legumes e vegetais por até meses com todo frescor, a minha alface havia se
estragado quase completamente.
Não tem como não ficar furioso com isso. Afinal, quem
compra uma alface para ficar conservada por mais tempo é porque não pretende
come-la antes desse tempo, não é mesmo? Propaganda enganosa contra si mesmo.
Como comprar roupas para parecer mais magro, mais alto,
em melhor forma física, “valorizando” o que, pelo próprio conceito implícito,
já perdeu boa parte do valor que deveria ter.
A indústria cosmética não conhece crise, essa é a
grande e amarga verdade. E por indústria cosmética pode-se entender, em algum grau ou
sob alguma perspectiva, um monte de coisas. Desde maquiagem até
roupas, desde marketing de produtos até campanha política, desde filosofia popular
até livro de autoajuda.
A internet é a campeã da cosmética, sem dúvida. Ela
propaga notícias velhas como se fossem atuais para atender ao interesse do
momento, cria falsos testemunhos como se fossem fatos incontestáveis,
desenvolve padrões de necessidades que nunca haviam sido percebidos pelos
consumidores que seguem compulsivamente para a próxima compra.
Mas há também as grandes festas do comercio, que
anteriormente privilegiavam os governantes no controle das massas (pensando
bem, acho que ainda o fazem, só é preciso definir o que é “governo”). São
verdadeiras festas que oferecem tudo o que as pessoas não precisavam, mas que
se não tiverem sentirão um deslocamento, uma culpa por terem se excluído de um
processo que deve ajudar a própria sociedade gerando empregos diretos e
indiretos na produção e venda de artigos que logo se tornarão a última moda e
referência social.
A verdade que parece sobressair disso tudo é que
preferimos a mentira branda, aquela chamada de “branca” para dizer que tem boas
intenções que a tornam mais aceitável e até, em alguns casos, desejável. Afinal
é mais fácil responder àquela pergunta insegura sobre a beleza, a saúde, a
inteligência, etc., com uma mentirinha branca, do tipo: Está melhor que nunca!
Quase uma meia verdade, afinal, antes poderia estar bem pior, não é?
Buscamos a beleza em todas as suas formas, mas queremos
que ela seja entregue em uma bandeja de ouro por um serviço delivery, no horário
programado e por um preço baixo. E não nos satisfazemos com menos, ou alguém
(que pela própria concepção da palavra, será qualquer um menos eu) vai ter que pagar por isso.
Condenamos a mentira alheia com outra mentira: Eu gosto
é da verdade. Eu jamais minto. Comigo, se mentir uma vez, é a última. Mas quem
está preparado de fato para a verdade? Ela costuma ser dura, cruel até, e chega
em momentos terríveis destruindo qualquer ânimo, qualquer alegria do momento,
certo? Talvez.
Talvez seja necessário que aprendamos a lidar com a
verdade de uma forma que ela não precise ser tão dura e destrutiva, ao
contrário, que possa assumir uma condição de libertadora, de promotora do bem-estar,
de geradora de ânimo. Como fazer isso? Começando por nós mesmos.
Quando nos dispomos a mentir menos para nós mesmos já
estamos aprendendo a lidar com a verdade de uma forma melhor. Começamos a
perceber que há formas delicadas de apresentar coisas desagradáveis, que é
possível apresentar o lado positivo de algo que pode dar trabalho a princípio,
mas que vale a pena investir e colher os resultados ao longo do tempo.
Quando sentir vontade de comprar algo, basta
questionar-se se vai precisar mesmo daquilo para uso pessoal ou apenas para mostrar
que possui, e se o desejo se mantiver, compre! Ao menos foi uma compra honesta
e não vai haver arrependimentos depois, já que o objetivo verdadeiro foi alcançado.
Se precisar de autoafirmação, diga antes como se
sente, mas não imponha uma mentira que deseja ouvir. Estou tão feliz com esta roupa, não é? Você acredita que adorei de fazer
este penteado? Estou acima do peso, mas me sentindo tão bem-disposto. Você não
acha? Aceite a sua verdade e se não gostar do que descobrir, mude. Não obrigue ao outro que minta para lhe fazer feliz. Só você pode
mudar o que está errado na sua vida, ainda que precise de alguma ajuda externa
para isso.
Não aceite mentiras, mas lute pela generosidade, pela
delicadeza, pela sensibilidade com que a verdade pode e deve ser dita para você
e para os outros. Claro que isso exige um certo trabalho, mas as melhores
coisas da vida são conquistadas com trabalho. A palavra conquista já diz que a
coisa não foi simples e fácil, mas que valeu a pena e sua permanência será mais
duradoura do que aquilo que vem com muita facilidade: a mentira, por exemplo.
Os ganhos vão ser imensos se conseguir lidar com a
verdade, mesmo que seja com um mero silêncio quando não souber o que dizer de
forma verdadeira e gentil. Um gesto de carinho pode ser um bom substituto
nesses casos, mesmo que seja para consigo mesmo.
Quando começamos a mentir menos, percebemos o peso que a
mentira traz escondido na facilidade. Uma mentira obriga a outra mentira que a
sustente e assim se constrói uma pirâmide que vai ficando cada vez maior e mais
sufocante, até que a base se rompe e vem uma avalanche que pode soterrar a sua
credibilidade entre os escombros.
Ser gentil e verdadeiro comigo mesmo fez com que a
raiva de ter gasto um dinheiro desnecessário se transformasse em uma proposta
racional de ter mais qualidade de vida, uma alimentação melhor, mais
organização nas minhas tarefas, um bem querer mais verdadeiro e uma tolerância
sincera com as minhas dificuldades no caminho para ser melhor.
Uma tolerância que fez com que a minha alface deixasse
de ir completamente para o lixo e se transformasse em uma deliciosa salada, que
me incentivou a escrever um texto sobre o assunto e a limpar não apenas a
geladeira, mas a casa toda, e a me livrar de um monte de coisas que estavam
guardadas apodrecendo em cantos insuspeitos.
A verdade pode não te dar asas, mas com certeza te faz
se sentir bem mais leve para consigo mesmo e para com os outros. E quem não
aprecia a leveza delicada da sinceridade?
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