Tem esse oceano, no sonho que acontece, não sei, algumas
vezes.
É um oceano de águas límpidas, refletindo o céu. Dá para
ver as nuvens passando lentamente, embaladas pelas ondas que amortecem. O tempo.
O tempo não dá pra ser medido, para onde se olha só tem as águas, as nuvens, o
céu límpido. O sol está sempre lá, em algum lugar, iluminando, aquecendo, não
dá pra ver o sol, não ofusca, não aparece. Mas está lá em algum lugar.
Não tem quase nada nesse oceano, onde se pode perceber, só
uma imensa e distante igualdade. E no meio disso tudo, um corpo.
O corpo está flutuando de costas. Os braços meio que
afundados, as pernas. A água cobre os ouvidos que escutam apenas o som distante.
Fecho os olhos. Ainda sinto a luz. Ainda sinto a leveza que
sustenta como poderosa mão invisível, intocável, penetrante.
E aos poucos vou afundando. Não há medo. Não sei se
respiro. Oceano.
Continuo a descida de costas respirando oceano sem me
preocupar com a luz que se esvai em noite eterna; há um certo frio que agasalha
a pele delimitando o corpo, definindo, definitivo.
E quanto mais afundo, mais percebo a atividade insaciável
que jaz embaixo dessa colcha liquida gelada.
Há movimento a minha volta, cercando, vigiando, contorcendo-se
em um balé fluido. Quase posso sentir um cheiro que atravessa metálico o meu
peito.
Será a morte? O nascimento? Não, nada tão simples assim.
Não um dissolver-se no absoluto, não um confronto que obriga a desprender-se do
que não é mais você. Nada tão simples. E ainda breve, cristalino, como uma
certeza que está antes e além da construção do pensamento. Não é paz, não tem
nome.
A sombra mais perfeita é a que sobrevive a escuridão, nasce
na ausência da luz e se movimenta no espaço entre os fótons, brincando de não
ser vista, como se não existisse. Matéria. Escura. Energia.
Anterior a tudo e depois de tudo. Engolfando criaturas que voam
no ambiente espesso que respiram sem asas. Alguns criam suas próprias luzes,
não porque temem a escuridão, apenas para se divertirem, para iluminarem suas
vítimas que devoram com dentes longos, aguçados, sem culpa à mesa.
Em algum lugar deve haver um solo brotando sulfúreas nódoas
de silicatos e metálicos grãos que servem de base para uma complexa cadeia de
eventos. Só então me sinto preso.
A liberdade não é a ausência de laços que o segurem, mas a
capacidade de ignorar esses laços, transforma-los em algo que sustenta mais do
que prende; que impulsiona mais que paralisa. A liberdade é uma mentira que
aceita-se com gratidão e que se luta para manter enquanto não se percebe.
E quando se percebe, acorda. O sonho se esvai. E só retorna
quando as coisas ficam difíceis demais. Loucas demais. Violentas demais. Reais
demais para se suportar todas as coisas que se escondem nas almas e nas mentes.
Então o oceano fica recorrente. E a cada noite ele chama
para depositar os ossos no leito profundo do berço da vida que poderia ter sido
tão linda e perfeita, e acabou apenas vida. Até o próximo despertar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário